segunda-feira, 22 de junho de 2015

As estrelas NÃO tem que ser Michelin.



Criado e publicado pela primeira vez em 1900, por André Michelin, industrial francês, Compagnie Générale des Établissements Michelin, fabricante de pneus mais conhecida como Michelin com o objetivo de promover o turismo automobilístico, crescente na época. Existem 2 guias Michelin:

-O vermelho. É o guia de referência de hotéis e restaurantes. Impresso com o máximo sigilo e com tiragem desconhecida, este guia é o mais respeitado do mundo e premia os melhores restaurantes, classificando-os com estrelas (de 1 a 3) e que representam o sonho ou o pesadelo de qualquer chef.

-O verde. O guia verde é um guia turístico que se concentra no património natural e cultural por região. É publicado para todas as regiões da França e para a maior parte das regiões da Europa.

Outras publicações são os guias Gourmands e o guia prático de bolso para viajantes.

Ganhar uma estrela Michelin pode ser o ponto mais alto de uma carreira de chef, assim como perder a estrela, pode representar sua morte, como a do chef Bernard Loiseau, o cozinheiro francês que se suicidou quando começaram a circular rumores de que o guia lhe ia retirar a terceira estrela .

Em Outubro/Novembro de 2008, estive em um Congresso Gastronómico em Milão, Itália e tive oportunidade de estar com Imensos Chefes mundialmente conhecidos  e outros nem tão conhecidos assim , mas que de alguma forma respeitavam e valorizavam o ato de cozinhar e oferecer o melhor a quem fosse degustar os pratos.


Uma das pessoas que conheci chamava-se Julio Biosca, que geria um pequeno restaurante familiar em Espanha numa Aldeia entre Valença e Alicante, chamado "Casa Julio". Uma pessoa extremamente simples e afável e a qual tive empatia logo de cara, não só pelas ideias mas também pela postura de respeito pela cozinha. Conversamos e rimos muito durante os 5 dias do congresso. E depois em Espanha quando tive a oportunidade de conhecer o restaurante e provar algumas iguarias. Aquele senhor educado e simpático viria a ser, no ano seguinte, dono de uma das famosas estrelas Michelin. Ninguem adivinharia  que um simples projeto familiar iniciado em 1940 e, que Julio, quatro gerações depois  viesse a fazer tamanho sucesso "estrelado"
.

Julio Biosca não se rendeu ao rebuliço causado pela estrela, que desde os primeiros minutos transtornou-lhe a vida e a vida de seus funcionários. Mas foi-se aguentando. Reservas infinitas, personalidades, e pressão, muita pressão e 4 anos depois resolve escrever para organização do Guia para que não incluíssem o Casa Julio na próxima edição. Julio dizia que:

-"O problema não é o guia em si mas o mundo que cria em redor dele. A loucura que entra pela porta. E quando toda a gente te diz que és o melhor, o dia em que te baixam a nota ficas maluco".
Confesso que quando soube da notícia, fiquei muito feliz. Percebi que a essência de Júlio não havia mudado.

 Como Chefe de Cozinha, sei bem os meandros e vícios que implicam esta profissão. Suamos e damos o nosso sangue a aquilo em que acreditamos. Somos os nossos piores carrascos e temos uma palavra em mente "QUALIDADE". Junto com toda a cobrança e expectativas em cima do Chef, sofre a equipa de cozinha que tem que responder a demanda do trabalho custe o que custar. Conheci imensos restaurantes com estrelas Michelin e posso garantir que em todos eles é "DESUMANA" a forma como são tratados. Com turnos de trabalho que ,por muitas vezes, ultrapassam as 19 horas e no dia seguinte dormem encostados a parede fria enquanto esperam o restaurante abrir para mais uma maratona e não pensem que são muito bem remunerados porquê não são, para eles o que paga todas as humilhações e desprezo é a "Honra" de trabalhar para tal "Chef Estrelado".
O Problema não é o Guia Michelin, mas o peso que dão a ele.

Nunca acreditei nesta cozinha tão perfeita e irreal, é impossível cozinhar com amor, quando a preocupação esta em ser "Perfeito". Quando vou para cozinha, vou com o coração e a qualidade já esta incrustada, pois sei que tenho que fazer o meu melhor e que posso me dar ao luxo de não acertar, somos humanos e não máquinas. Para quem gosta de cozinha feita por máquinas, igual todos os dias já criaram a Bimby, que não erra, não muda nada de um prato e cozinha como os chefes Michelin, sem emoção.

Não tenho nada contra o Guia Michelin, mas não concordo como interfere na vida das pessoas. Se não serve para melhorar a vida de todas as  pessoas que trabalham em restauração, não serve para nada. Muda a vida do Chef e castiga toda a equipa de trabalho. 

Por isso rendo-me aos mestres Julio Biosca,  Alain Senderens ( renunciou de 3 estrelas Michelin),  Ferran Adrià (preferiu fechar o seu restaurante super premiado e assim perdeu as estrelas ) entre outros que  acreditaram em suas cozinhas fantásticas e nunca perderam a verdadeira beleza de cozinhar com o coração. Namaste.

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